sábado, 14 de maio de 2011

Prefácio

 
          Nel mezzo del camin di nostra vita mi ritrovai per una selva oscura (DANTE, Inferno).

O sistema normativo constituído da mal traduzida Lei Uniforme de Genebra sobre letra de câmbio e nota promissória, publicada com o Decreto 57.663/66, das alterações decorrentes das reservas formuladas pelo Brasil ao aderir à respectiva Convenção, em torno das quais há pontos controversos, e da parte não revogada da Lei Saraiva (Decreto 2.044, de 1908), forma um cipoal, que só os iniciados conseguem penetrar.
Em torno da letra de câmbio é que se construiu a Teoria Geral dos Títulos de Crédito. A clássica definição de título de crédito, formulada por VIVANTE há mais de um século, e acolhida no Código Civil brasileiro de 2002, tem na letra de câmbio seu paradigma.
Os princípios básicos, os conceitos fundamentais dos títulos de crédito, entre os quais o cheque e a duplicata, são fornecidos pelo Direito Cambial. Este ramo do Direito requer o uso de termos precisos, dado o formalismo de que se revestem os títulos cambiais, coexistindo suas normas numa “harmonia tensa, como a do arco e a flecha”, para usar uma imagem de HERÁCLITO.
Formalismo que não significa o culto de uma liturgia anacrônica, mas o reconhecimento da certeza e segurança como condição necessária à circulação do crédito documentado no título.
A prática mercantil, sedimentada em séculos de experiência, inventou fórmulas padronizadas para a emissão e transmissão dos títulos cambiários. A observância dessas fórmulas é de importância vital para a existência e o exercício dos direitos neles mencionados.
Ao intérprete da Lei Cambial incumbe captar-lhe o sentido das normas, na sutileza de suas tramas e na sua conexão íntima com outras normas, para dizer o quid juris aplicável.
Do tradutor espera-se um mínimo de conhecimentos jurídicos para atender antes à mens legis que ao sentido literal da palavra, segundo noção elementar de Direito. Salva a clareza e o elementar da gramática, é desejável a concisão, o bom gosto da forma.
Passando dos conceitos ao propósito, “se é lícito compor as coisas pequenas com as grandes”: si parva licet componere magnis (VIRGÍLIO, Geórgicas), quer também o autor destas postilas dar sua contribuição.
Postilas que, como o nome indica, constituem notas explicativas. Explicativas das normas existentes, principais e acessórias, em que o vário da doutrina se une ao temerário da crítica.
Destina-se este compêndio, acompanhado de nova tradução da Lei Uniforme, sobretudo aos não-iniciados no trato do Direito Cambial, às tontas na selva de uma tradução mal-amanhada, uma lista de reservas controversas anexas, e normas sobreviventes da legislação anterior.
A meditação sobre o tema convenceu-me do quão importante é pensar “com a própria cabeça”, como pregava Zaratustra, ecoando a Weltanschauung nietzscheana: “Antes ser um tolo por conta própria, do que um sábio ao bel-prazer de outrem”: Lieber ein Narr sein auf eigene Faust, als ein Weiser nach fremden Gutdünken! (FRIEDRICH NIETZSCHE, Also Sprach Zarathustra : “Assim Falou Zaratustra”, 1883/1885, Parte IV).
Do pouco que sei, falarei com clareza; do muito que não sei, guardarei silêncio, fazendo minha a máxima de WITTGENSTEIN: “Sobre aquilo de que não se sabe falar, deve-se calar”: Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen (LUDWIG WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, Proposição 7).
Se este cometimento possui algum mérito, muito devo aos autores que me precederam, aos quais rendo minha justa homenagem.
José Mário Bimbato

Modelos de cambial (letra de câmbio e nota promissória)

(De meu livro Lei Cambial Comentada - Letra de Câmbio e Nota Promissória, a ser publicado brevemente)

José Mário Bimbato


I - Letra de câmbio
a) Modelo em branco






1.     A indicação do lugar (município) e da data da emissão (dia, mês e ano).
2.     A importância a pagar, em algarismos, e a indicação da moeda (ex.: R$, Eur, US$).
3.     A indicação do vencimento.
4.     A importância a pagar, por extenso, e a espécie de moeda.
5.     O nome do beneficiário, que pode ser o próprio sacador.
6.     O nome e endereço do sacado.
7.     O nome e endereço (ou carimbo) do sacador.
8.     A indicação do lugar (município) e endereço de pagamento; se indicado um estabelecimento bancário: o nome do banco, o endereço da agência e, se for o caso, o número da conta.
9.     A assinatura de próprio punho do sacador.
10.   Espaço reservado para a assinatura do aceitante.



b) Modelo preenchido 





II - Nota Promissória
a) Modelo em branco


1.     A indicação do lugar (município) e da data da emissão (dia, mês e ano).
2.     A importância a pagar, em algarismos, e a indicação da moeda (ex.: R$, Eur, US$).
3.     A indicação do vencimento.
4.     A importância a pagar, por extenso, e a espécie de moeda.
5.     O nome do beneficiário, que pode ser o próprio sacador.
6.     O nome e endereço (ou carimbo) do sacador.
7.     A indicação do lugar (município) e endereço de pagamento; se indicado um estabelecimento bancário: o nome do banco, o endereço da agência e, se for o caso, o número da conta.
8.     A assinatura de próprio punho do sacador.



b) Modelo preenchido







Título de crédito - Definição de VIVANTE

(De meu livro Lei Cambial Comentda - Letra de Câmbio e Nota Promissória, a ser publicado brevemente)

 “Nenhum vento ajuda o navegador que não sabe a que porto se dirige”:
 Ignoranti quem portum petat nullus suus ventus est (SÊNECA, Epistulae Morales).

O aforismo de SÊNECA vem a propósito da importância da definição para a Ciência. Sem uma definição, fica-se como o navegador que não sabe a que porto veleja.

Segundo a conhecida definição de CESARE VIVANTE, título de crédito é o “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele mencionado.”

              VIVANTE (Trattato di Diritto Commerciale, 1929, vol. III, n. 953).

Explica VIVANTE:

“Diz-se literal o direito mencionado no título, porque existe segundo o teor do documento; autônomo, porque o possuidor de boa-fé exerce direito próprio, que não pode ser restringido ou elidido pelas relações havidas entre os possuidores anteriores e o devedor. Diz-se que o título é o documento necessário ao exercício do direito, porque, enquanto existente o título, não pode o credor, sem exibi-lo, exercer nenhum direito, principal ou acessório, que ele porte consigo, e não se pode fazer modificação alguma no teor do título, sem neste anotá-la.”

            Ibidem (tradução não-literal).

A definição vivantiana (acolhida quase ipsis litteris no Código Civil brasileiro de 2002 ─ CCiv, art. 887) pode dizer-se, por sua fecundidade, germinal.

Sua vantagem é a simplicidade. A simplicidade, disse OCKHAM, filósofo inglês (séculos XIII/XIV), nem sempre é a perfeição, mas a perfeição é quase sempre simples.

Assim como ocorre com grande parte das definições da Ciência do Direito, e, aliás, de outros ramos do saber, trata-se de uma definição aproximada, mas nisto está a sua virtude, não seu defeito. A definição possui um valor simbólico, mnemônico; para ser comunicativa, deve ser breve.

Entre nós o Professor NEWTON DE LUCCA, após manifestar sua preferência pela fórmula de VIVANTE, por seu caráter sintético, aponta algumas definições alternativas à do grande comercialista italiano, nas quais se salientam aspectos acidentais ou secundários, por isso mesmo não-essenciais ao definido, com o sacrifício da concisão.

              DE LUCCA (Aspectos da Teoria Geral dos Títulos de Crédito, 1979, p. 17 e ss).

Não obstante, certos autores contribuíram positivamente para iluminar, com sua crítica, algum ponto menos claro da definição vivantiana ou para completá-la. Não cometeremos o vilipêndio, assim como não é esta certamente a intenção do Professor DE LUCCA, de atribuir-lhes a “glória do caranguejo”, que só figura no Zodíaco porque mordeu o calcanhar de Hércules.

                JOÃO MANGABEIRA (Ruy. O Estadista da República, 1960, p. 11).

Títulos de crédito - Espécies

(De meu livro Lei Cambial Comentada, a ser publicado brevemente)

Consideram-se títulos de crédito em sentido estrito os que conferem direito a uma prestação monetária. Entre estes se incluem: a Letra de Câmbio (LC), a Nota Promissória (NP), o Cheque (Ch), a Duplicata (Dp), os títulos da dívida pública e as debêntures.

Abstraindo por ora de classificação ulterior, entre os títulos de crédito em sentido amplo mencionamos: as ações das companhias, o conhecimento de transporte, o conhecimento de depósito o warrant.

A ação atribui a seu titular a qualidade de sócio, de que deriva um complexo de direitos e obrigações: o direito de participar dos lucros, o direito de voto, o direito de inspeção e o de informação; e a obrigação principal, se não a única, de pagar à companhia emissora o preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas (Lei das Sociedades por Ações, n. 6.404/76 – LSA, arts. 106 e 109).

O conhecimento de transporte, emitido pelo transportador, confere ao endossatário direito ao recebimento da mercadoria transportada (art. 754 CCiv)
.
O conhecimento de depósito e o warrant, emitidos pelos armazéns gerais, asseguram ao endossatário, quando apresentados conjuntamente, o direito de livre disposição da mercadoria depositada.
Separado do conhecimento de depósito, o warrant confere ao endossatário o direito de penhor sobre a mercadoria depositada. Separado do warrant, o conhecimento de depósito atribui ao endossatário a faculdade de dispor da mercadoria, salvos os direitos do portador do warrant (Decreto 1.102/1903, art. 18).

domingo, 1 de maio de 2011

Compreensão e extensão de um conceito

Uma contribuição importante da Lógica de Port-Royal foi a distinção estabelecida entre compreensão e extensão de um conceito, uma distinção incorporada à Lógica moderna, inclusive à Teoria dos Conjuntos.
Compreensão é o conjunto dos elementos de que se compõe o conceito, e extensão, o conjunto dos objetos a que o conceito convém. Exemplo: número primo, em compreensão, é o número natural cujos únicos divisores são ele próprio e 1; em extensão, o conjunto dos números naturais possuidores desse predicado. Recorda-se, a propósito, que EUCLIDES provou ser infinita a quantidade de primos.

Autores há, que à díade extensão e compreensão preferem extensão e intensão (assim mesmo, com “s”), com o mesmo significado.

Denotação e conotação

(De meu livro, Postilas de Direito Cambial, a ser publicado brevemente)

Em Linguística e Semiologia, denotação refere-se àquilo que a palavra ou símbolo designa objetivamente; e conotação, àquilo que o símbolo ou palavra significa subjetivamente.

Considere-se o seguinte exemplo de Gottlob Frege, filósofo e matemático alemão (1848-1925), fundador da Lógica Matemática, e, ao lado de Aristóteles, considerado um dos maiores lógicos de todos os tempos. No ensaio Über Sinn und Bedeutung, publicado em 1892, que pode ser traduzido por "Sentido e Significado", ou "Denotação e Conotação", Frege ilustra a variação semântica com esta analogia:

"Estrela Vespertina e Estrela Dalva têm o mesmo significado, mas sentidos diferentes."

Dito em outras palavras, os dois nomes do planeta Vênus designam a mesma realidade objetiva, mas conotam diverso valor semântico. Uma diferença e tanto, que o digam os poetas e sonhadores.