Nel mezzo del camin di nostra vita mi ritrovai per una selva oscura (DANTE, Inferno).
O sistema normativo constituído da mal traduzida Lei Uniforme de Genebra sobre letra de câmbio e nota promissória, publicada com o Decreto 57.663/66, das alterações decorrentes das reservas formuladas pelo Brasil ao aderir à respectiva Convenção, em torno das quais há pontos controversos, e da parte não revogada da Lei Saraiva (Decreto 2.044, de 1908), forma um cipoal, que só os iniciados conseguem penetrar.
Em torno da letra de câmbio é que se construiu a Teoria Geral dos Títulos de Crédito. A clássica definição de título de crédito, formulada por VIVANTE há mais de um século, e acolhida no Código Civil brasileiro de 2002, tem na letra de câmbio seu paradigma.
Os princípios básicos, os conceitos fundamentais dos títulos de crédito, entre os quais o cheque e a duplicata, são fornecidos pelo Direito Cambial. Este ramo do Direito requer o uso de termos precisos, dado o formalismo de que se revestem os títulos cambiais, coexistindo suas normas numa “harmonia tensa, como a do arco e a flecha”, para usar uma imagem de HERÁCLITO.
Formalismo que não significa o culto de uma liturgia anacrônica, mas o reconhecimento da certeza e segurança como condição necessária à circulação do crédito documentado no título.
A prática mercantil, sedimentada em séculos de experiência, inventou fórmulas padronizadas para a emissão e transmissão dos títulos cambiários. A observância dessas fórmulas é de importância vital para a existência e o exercício dos direitos neles mencionados.
Ao intérprete da Lei Cambial incumbe captar-lhe o sentido das normas, na sutileza de suas tramas e na sua conexão íntima com outras normas, para dizer o quid juris aplicável.
Do tradutor espera-se um mínimo de conhecimentos jurídicos para atender antes à mens legis que ao sentido literal da palavra, segundo noção elementar de Direito. Salva a clareza e o elementar da gramática, é desejável a concisão, o bom gosto da forma.
Passando dos conceitos ao propósito, “se é lícito compor as coisas pequenas com as grandes”: si parva licet componere magnis (VIRGÍLIO, Geórgicas), quer também o autor destas postilas dar sua contribuição.
Postilas que, como o nome indica, constituem notas explicativas. Explicativas das normas existentes, principais e acessórias, em que o vário da doutrina se une ao temerário da crítica.
Destina-se este compêndio, acompanhado de nova tradução da Lei Uniforme, sobretudo aos não-iniciados no trato do Direito Cambial, às tontas na selva de uma tradução mal-amanhada, uma lista de reservas controversas anexas, e normas sobreviventes da legislação anterior.
A meditação sobre o tema convenceu-me do quão importante é pensar “com a própria cabeça”, como pregava Zaratustra, ecoando a Weltanschauung nietzscheana: “Antes ser um tolo por conta própria, do que um sábio ao bel-prazer de outrem”: Lieber ein Narr sein auf eigene Faust, als ein Weiser nach fremden Gutdünken! (FRIEDRICH NIETZSCHE, Also Sprach Zarathustra : “Assim Falou Zaratustra”, 1883/1885, Parte IV).
Do pouco que sei, falarei com clareza; do muito que não sei, guardarei silêncio, fazendo minha a máxima de WITTGENSTEIN: “Sobre aquilo de que não se sabe falar, deve-se calar”: Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen (LUDWIG WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, Proposição 7).
Se este cometimento possui algum mérito, muito devo aos autores que me precederam, aos quais rendo minha justa homenagem.
José Mário Bimbato
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